Scytalopus iraiensis, ff, 1998

Bornschein, Marcos Ricardo, Reinert, Bianca Luiza & Pichorim, Mauro, 1998, Descrição, ecologia e conservação de um novo Scytalopus (Rhinocryptidae) do sul do Brasil, com comentários sobre a morfologia da família, Ararajuba 6 (1), pp. 3-36 : 6-30

publication ID

https://doi.org/10.5281/zenodo.17741808

DOI

https://doi.org/10.5281/zenodo.17742826

persistent identifier

https://treatment.plazi.org/id/038B87E5-9634-D83F-FBAD-FDC4FC30FAB3

treatment provided by

Juliana

scientific name

Scytalopus iraiensis
status

sp. nov.

Scytalopus iraiensis View in CoL sp. nov.

macuquinho-da-várzea

Holótipo. MN no. 43378 (frontispício); fêmea adulta; propriedade de R. Venske, margem direita do rio Irai ( 25°23’S, 49°05’W; ca. 900 m de altitude), município de Quatro Barras, Estado do Paraná, Brasil; coletado por M. R. B., B. L. R. e M. P. em 05 de junho de 1997; preparado por M. R. B. Provavelmente gravado GoogleMaps . Crânio ao menos em grande parte não pneumatizado; gônada inativa (6,5 x 2,5 mm); sem placa de incubação; cloaca?; sem gordura acumulada; muda: pouca de tetrizes pelo corpo, oitava rêmige secundária da asa direita e sexta rêmige secundária da asa esquerda.

Parátipos. MN no. 43379 ; macho adulto; localidade, coletor e preparador igual ao do holótipo; coletado em 23 de maio de 1997. Gravado. Crânio pneumatizado próximo do bico, no squamosum até o local de inserção da vértebra, e na junção inferior com o parietale; gônadas inativas (testículo direito 1,0 x 1,0 mm; testículo esquerdo 2,0 x 1,0 mm); sem placa de incubação; cloaca pequena; pouca gordura acumulada (gordura amarelada); muda: bastante de tetrizes pelo corpo, nona e décima rêmiges primárias nas duas asas, quinta rêmige secundária nas duas asas, quarta rêmige secundária na asa direita (sétima rêmige secundária da asa esquerda ausente) e quarta e quinta retrizes do lado direito.

MN no. 43380 ( figura 1 View Figura 1 ); macho adulto; localidade, coletor e preparador igual ao do holótipo; coletado em 04 de dezembro de 1997. Não gravado. Pele taxidermizada sem o crânio e sem os ossos de uma asa. Tíbias, fígado e sangue coletados para estudos citogenéticos (Laboratório de Citogenética da Universidade Federal do Paraná). Crânio pneumatizado próximo do bico, nos lados da cavidade ocular, no squamosum até o local de inserção da vértebra e na junção inferior com o parietale ( figura 2 View Figura 2 ); gônadas parcialmente ativas (testículo direito 2,5 x 2,5 mm; testículo esquerdo 4,5 x 2,5 mm); com placa de incubação; cloaca pequena; pouca gordura acumulada (gordura amarelada); muda: pouca de tetrizes no dorso e no peito (sexta retriz direita ausente).

MPEG no. 52945 ; macho adulto; localidade e preparador igual ao do holótipo; coletado por M. R. B. e B. L. R. em 31 de dezembro de 1997. Não gravado. Pele taxidermizada sem o crânio. Fígado fixado em buffer. Crânio pneumatizado no squamosum até o local de inserção da vértebra e na junção inferior com o parietale; gônadas parcialmente ativas (testículo direito 4,0 x 1,5 mm; testículo esquerdo 6,0 x 2,0 mm); sem placa de incubação; cloaca de tamanho médio; muita gordura acumulada; muda: pouca de tetrizes pelo corpo, primeira e segunda rêmiges primárias nas duas asas e segunda retriz esquerda.

MPEG no. 52944 ; fêmea imatura (frontispício); localidade, coletor e preparador igual ao do holótipo; coletado em 05 de junho de 1997. Provavelmente gravado. Crânio nada pneumatizado; gônada inativa (5,0 x 2,0 mm); sem placa de incubação; cloaca?; pouca gordura acumulada; muda: tetrizes pelo corpo, sétima e nona rêmiges secundárias da asa direita, quinta, sexta e sétima rêmiges secundárias da asa esquerda (primeira, quinta e sexta retrizes do lado direito faltando).

Diagnose - plumagem e morfologia. Por apresentar asa eutáxica; dez rêmiges primárias; pterilose com a pteryla ventralis sem separaç ão na margem do flanco; opérculo nasal móvel; pé anisodáctilo com 2, 3, 4 e 5 falanges, respectivamente, do primeiro ao quarto dedos; palato egithognathae; fenda nasal holorhinal; sternum com quatro fenestras; siringe com membrana tracheales e por não possuir musculatura intrínseca nem pessulus na siringe, enquadra-se na Família Rhinouryptidae ( vide Dabbene 1910, Plótnick 1958, Sick 1960, 1985, 1997, Heimerdinger e Ames 1967, Ames et al. 1968, Ames 1971, Holyoak 1978, Raikow 1982, Campbell e Lack’ 1985: 375, Harrison 1985, Sibley e Ahlquist 1985, Voous 1985, Hilty e Brown 1986). No que concerne ao gênero Scytalopus , a alocaç ão baseia-se em aspectos um tanto arbitrários. Distingue-se de grande parte dos gêneros da família pelo pequeno porte e pelo c ú lmen elevado sobre o opérculo nasal ( vide Hilty e Brown 1986). Dos gêneros mais relacionados, Eugralla e Myomis ( Ridgely e Tudor 1994), distingue-se do primeiro por ser menor e por não apresentar o c ú lmen alargado e elevado em contínuo até a fronte, e do segundo pela cauda proporcionalmente curta (37,7 -41,8 mm ao invés de 70 mm) (vide Vuilleumier 1985, Ridgely e Tudor 1994).

Scytalopus iraiensis sp. nov. lembra, dentre espécies brasileiras do gênero, a coloração de machos de S. speluncae com plumagem definitiva, dos quais difere de imediato por apresentar o dorso negro e a superfície ventral cinza ao invés de um colorido cinza-ardósia uniforme. Não examinamos o holótipo de 5. speluncae (no Zoological Institute Russian Academy of Science, São Petesburgo, V. Loskot in litt. 1998 a J. F. Pacheco), mas aquela característica separa a espécie nova de todas as peles examinadas, as quais tem sido identificadas como S. speluncae. As descrições deste congênere na literatura também corroboram a diagnose na plumagem (e.g. Chrostowski 1921, Cory e Hellmayr 1924, Naumburg 1937, além de outros já referendados).

A nova espécie ainda se distingue de S. speluncae, em qualquer idade e sexo, por mais nove características morfológicas, das quais as últimas cinco referem-se à siringe: (1) as retrizes são mais largas, medindo na pena central de (x= 9,1 mm; N = 28), respectivamente ( figura 3 View Figura 3 ); (2) o sternum é mais comprido; (3) o sternum é também mais estreito; (4) o metasternum mediano é em média mais estreito ( tabela 2 View Tabela 2 , figura 4 View Figura 4 ); (5) o processus vocalis possui a metade anterior paralela ao lado da siringe (N = 5), ao invés de curvada látero-ventralmente (N = 4); (6) o musculus tracheolateralis se insere no processus vocalis ocupando nesta cartilagem extens ão equivalente a um (N = 4) ou dois (N = 1) elementos cartilaginosos A, contra três (N = 3) ou quatro (N = 1), respectivamente; (7) quando se fixa no processus vocalis, o musculus tracheolateralis ocupa entre 23,1 e 32,5% (x = 27,9%; N = 5) da superfície ventral da siringe no local, contra 36,2 a 47,7% (x= 40,9%; N = 4), respectivamente; (8) o musculus sternotrachealis parte do extremo anterior do processus vocalis (N = 5), ao passo que em S. speluncae parte de uma posiç ão equivalente a um (N = 3) ou dois (N = 1) elementos A abaixo do extremo anterior desta cartilagem; (9) o par de nervos látero ventral é variável quanto a sua disposiç ão, mas não apresenta desenho de “X” formado pela confluência dos ramos, como ocorre em S. speluncae (N = 5) ( figura 5 View Figura 5 ).

Pelo dorso negro e ventre cinza S. iraiensis sp. nov. difere dos demais congêneres, cujas formas mais parecidas possuem plumagem definitiva em diferentes tonalidades de cinza ou anegrado, mas não com as duas cores ( e.g. S. unicolor latrans , S. macropus , S. magellanicus fuscus , S. m. canus). A parca série de formas andinas examinadas não permite efetuar uma diagnose mais acurada, portanto fundamentamo-nos principalmente nas descrições e ilustrações apresentadas na literatura, especialmente Zimmer (1939), Fjeldså e Krabbe (1990) e Ridgely e Tudor (1994).

Diagnose - voz. O canto de S. iraiensis sp. nov. segue o padrão do de S. speluncae, mas difere por apresentar o fundamental da nota do canto modulado em freq ü ências mais baixas: de 0,7 kHz a 3,6 kHz contra 1,7 kHz a 4,8 kHz em S. speluncae ( Vielliard 1990) (veja VOCALIZAÇÕES a seguir). Em campo, esta diferença só é perceptível após a familiarizaç ão com as duas vozes.

O canto de S. iraiensis sp. nov. também é diferente de todos os outros descritos para os demais congêneres, a saber: “ S. macropus , S. femoralis , S. panamensis , S. latebricola , S. caracae , S. novacapital is, S. indigoticus , S. magellanicus ssp ., S. fuscus , S. schulenbergi , S. argentifrons , S. unicolor ssp. , S. vicinior , S. bolivianus e S. sanctaemartae " ( vide Hilty e Brown 1986, Fjeldså e Krabbe 1990, Vielliard 1990, Ridgely e Tudor 1994, Whitney 1994).

Distribuição. Conhecida a partir de três localidades situadas nos arredores de Curitiba, Estado do Paraná, Brasil: (1) propriedade de R. Venske, margem direita dó rio Irai (25°23’S, 49°05’W), município de Quatro Barras (localidade- tipo); (2) encruzilhada da BR 277 com a Av. Rui Barbosa, margem esquerda do rio Pequeno (25°30’S, 49°09’W), município de São José dos Pinhais; e (3) propriedade de C. Loureiro, margem esquerda do rio Purgatório, km 57,5 da BR 277 (25°33’S, 49°00’W), município de São José dos Pinhais ( figura 6 View Figura 6 ). A altitude varia

Descrição do holótipo - coloração. Loros, fronte, píleo, nuca, dorso, coberteiras superiores das asas, cauda e coberteiras superiores e inferiores da cauda negros. Garganta cinza (cor 84); peito e abdômen cinza-escuro (aproximadamente cor 83); estria mistacal, região orbital, auriculares, lados do pescoço, lados do peito e encontros das asas cinza-anegrado (aproximadamente cor 82); flancos cinza-anegrado (aproximadamente cor 82) sutilmente barrados de marrom (cor 121B), sendo que os flancos anteriores contêm a maioria das penas desprovidas de barras e poucas com uma barra, enquanto que os flancos posteriores contêm a maioria das penas providas de uma a quatro barras; barras dos flancos finas, estreitas, muitas vezes interrompidas e em certas penas situadas apenas no vexilo voltado para as asas; pernas marrom-claro (aproximadamente cor 121C) barradas de cinza-escuro (cor 83) com o extremo distai marrom-escuro (aproximadamente cor 121) na porção da frente e, na porção de trás, cinza-anegrado com o ápice das penas distais marrom-escuro. Rêmiges primárias e primeiras secundárias na face superior sépia (cor 119); últimas rêmiges secundárias na face superior negras; rêmiges primárias e secundárias na face inferior cinza-escuro (aproximadamente cor 83); coberteiras inferiores das asas cinza-claro (cor 85); axilares cinza-claro tenuamente lavadas de bege (aproximadamente cor 121 D). Partes nuas em vida: íris castanho-escuro; bico negro com a ponta extrema e a base extrema da mandíbula marrom-anegrado; interior do bico negro, com o palato esbranquiçado; língua esbranquiçada; tarsos marrons com a borda de todas as escamas e o lado interno das últimas quatro escamas ocráceo-amarelado; dedos marrons com a borda de todas as escamas ocráceo-amarelada; plantas dos pés ocráceo-amarelado; unhas: do hálux marrom- anegrado com a ponta transparente; do segundo e quarto dedos ocráceo-amarelado; e do terceiro dedo ócreo- amarronzado.

Descrição do holótipo - aspectos morfológicos. Asa eutáxica; fórmula alar: 5> 6 = 4> 7 = 3> 2> 1> 8> 9> 10 (asa direita); dez rêmiges primárias; décima primeira primária vestigial (remicle) presente ( figura 7 View Figura 7 ); nove rêmiges secundárias funcionais (uma décima rudimentar?); 13 retrizes, sendo uma excedente no lado direito ( figura 3 View Figura 3 ); pteryla spinalis estendendo-se até a cauda e pteryla ventralis sem separaç ão na margem do flanco (veja figura 8 View Figura 8 ); glândula uropigiana desprovida de penas; bico epignato com uma sutil incisão quase na ponta dos tômios da maxila; opérculo nasal móvel totalmente aberto no espécime fresco ( figura 9 View Figura 9 ); abertura nasal com a mesma extens ão do opérculo nasal no espécime fresco; pé anisodáctilo, proporcionalmente grande; número de falanges no primeiro ao quarto dedos igual a 2, 3, 4 e 5; tarso taxaspidiano; sternum com quatro fenestras, correspondendo ao tipo “6” de Heimerdinger e Ames (1967) ( figura 4 View Figura 4 ).

Siringe comprimida dorso ventralmente e sem fusão de elementos cartilaginosos. Os elementos A-1 e A-2 são largos, especialmente nas extremidades e divididos; o A3 é completo, relativamente fino e assimétrico, apresentando- se mais estreito na metade esquerda da porção ventral e conectado com o A-4 através de uma barra inclinada na metade da superfície dorsal; os demais elementos A são completos, sendo os A-4 ao A-10 finos, o A-11 fino no meio da superfície ventral e dorsal e um pouco mais largo no resto e do A-12 em diante bastante largos. Esta configuraç ão atenuada de certos elementos A, associada com a forma comprimida dorso ventralmente da siringe no local, caracteriza a membrana tracheales. Neste exemplar a membrana tracheales é curta, estendendo-se tanto na superfície ventral quanto dorsal da siringe de A-2 até A-12, sendo no entanto menos definida em ambas as superfícies de A-11 até A-12, em função da maior espessura em parte do A-11. Os elementos A são muito próximos entre si, exceto do A-5 ao A-6 que são bastante afastados entre si e entre os demais no ventre da siringe. Os elementos B são divididos, com espaçamento constante e largos, especialmente nas extremidades dos B-1. Uma massa cartilaginosa pouco densa cobre as extremidades do A-2 e as adjacências do A-1 e A- 3, tanto no ventre quanto no dorso da siringe, dando a impressão que estes elementos são conectados. Apresenta processus vocalis comprido (1,8 mm) e relativamente grosso ( ca. 0,3 mm), que se estende do A-1 até a altura do A-10 pelas laterais da siringe. O processus vocalis é expandido, do A-1 até o A-5, em direção a porção ventral da ave, após a qual forma um pequeno estrangulamento antes de rumar em largura aproximadamente constante até a extremidade anterior ( figura 5 View Figura 5 ). Esta cartilagem é fixa na borda superior do A-1 e no A-2 e se projeta livre até a altura do A-10, exceto por frágil tecido conectivo.

A siringe possui cerca de 1,5 mm de largura na porção anterior até mais ou menos o A-16, quando começa a alargar- se até mais ou menos o A-7, onde atinge a largura máxima de cerca de 2,2 mm (excluindo a musculatura). Sua circunferência é arredondada em toda a região anterior à membrana tracheales, elíptica na própria membrana e algo cilíndrica do A-1 ao A-5, conferindo perfeito contato com a porção alargada do processus vocalis.

A musculatura da siringe é composta pelos músculos extrínsecos tracheolateralis e sternotrachealis, estando os músculos intrínsecos ausentes. O musculus tracheolateralis se origina na base da língua como um par de músculos que se projeta caudalmente pelos lados da traquéia. Na altura do A-39 começa a se alargar gradualmente, cobrindo toda a superfície ventral da traquéia na altura do A-33. A partir do A-18 divide-se novamente, rumando cada parte para as laterais da siringe. Conforme definido por Ames (1971), na altura do décimo segundo elemento A anterior à membrana tracheales, o musculus tracheolateralis abarca cerca de 230° da circunferência da traquéia, caracterizando-o como largo. E constituído por muitas fibras nos lados da traquéia e da siringe, e por poucas na porção deste músculo que cobre a superfície ventral da siringe ( figura 5 View Figura 5 ). Apresenta nesta região um fascículo muscular distinto. Constitui-se de uma fina lâmina independente, pelo menos a partir da altura do A-30 até o A-20, quando se integra com o resto do musculus tracheolateralis, sendo estreito em toda a sua extens ão, principalmente na altura do A-22. É encoberto, em grande parte por outras fibras do musculus tracheolateralis, exceto na altura do A-23 ao A-20, onde se constituem nas únicas fibras musculares que cobrem a siringe. O musculus tracheolateralis não é plenamente simétrico. Há um pequeno feixe muscular que cruza a siringe partindo da porção látero ventral direita, na altura do A-51, e se junta ao ramo oposto na porção látero ventral esquerda, na altura do A-42. Os demais feixes da musculatura que cobrem a superfície ventral da siringe são um pouco mais espessos em certos locais; o fascículo muscular é deslocado para a porção ventral direita da siringe e a direção de suas fibras não é totalmente homogênea. O musculus tracheolateralis é fortemente A, mas ele se fixa na porção anterior da superfície externa do processus vocalis, na altura do A-10, exceto por umas poucas fibras que se aderem na lateral da siringe do A-15 ao A-13. No processus vocalis a sua fixação é justamente cranial ao musculus sternotrachealis, inclusive circundando-o parcialmente ( figura 5 View Figura 5 ). A aparente origem independente de muitas fibras musculares na porção ventral da siringe, aliada à rápida mudança na direção de outras fibras nas laterais da siringe, d ão a impressão da existência de um par ventral e outro dorsal de músculos intrínsecos. O musculus sternotrachealis constitui-se de um feixe de fibras que parte da superfície externa do processus vocalis, na altura do A- 10 ao A-7.

O trato nervoso da siringe, na sua porção conspícua, foi observado na região do hióide, onde dois pares de ramos nervosos bifurcam-se enervando, entre outras coisas, a língua, a traquéia e a siringe. Um destes pares, assim que atinge a traquéia, acompanha látero dorsalmente todo o musculus tracheolateralis até a região anterior do musculus sternotrachealis, onde faz uma curva para enervar alguma outra parte do corpo da ave que não foi possível verificar em função do seu rompimento, provavelmente na extração da siringe. Ao longo deste trajeto emite finos prolongamentos que se dirigem para a porção ventral da siringe, sobre o musculus tracheolateralis e um mais conspícuo que adentra no musculus sternotrachealis. Pelo menos a partir do A-28, este par de nervos aceita coloração com a tintura de iodo igual ao tecido muscular. Sua semelhança com fibras musculares aumenta a partir da altura do A-16, quando tomam-se mais espessos. No entanto, a presença de finas ramificações refuta a possibilidade deste par constituir-se num músculo.

O outro par de ramos nervosos, assim que atinge a traquéia, enerva a sua porção lateral e ventral. O ramo esquerdo projeta-se para a região caudal pela lateral da siringe, sobre o musculus tracheolateralis até a altura do A- 68, após o qual se posiciona látero ventralmente ao músculo até a altura do A-53. A partir deste ponto, volta para o lado da siringe sobre o músculo até o A-35, retomando novamente uma posiç ão látero ventral sobre ou sob o músculo, que nesta altura já cobre quase toda a superfície ventral da siringe. Na altura do A-54 ele se bifurca, e o prolongamento se conecta com o ramo direito do par de nervos na altura do A-43. Na altura do A-31 os ramos nervosos esquerdo e direito conectam-se. O ramo direito, logo que atinge a traquéia, depois de bifurcar-se na região do hióide, projeta-se caudalmente pelo lado da siringe sobre o musculus tracheolateralis até o A-50, quando se posiciona na face látero ventral deste músculo até o A-45, e então começa a deslocar-se gradualmente para a esquerda até conectar-se com o ramo nervoso esquerdo no A-31. Dirigindo-se para a posiç ão centro-esquerda da superfície ventral da siringe, o ramo nervoso emendado se bifurca na altura do A-26. Cada novo ramo projeta-se gradualmente para as faces laterais da siringe, que são atingidas aproximadamente na altura do A- 17. A partir deste ponto rumam lateralmente até a porção anterior do musculus sternotrachealis, onde desaparecem dentro do feixe muscular ( figura 5 View Figura 5 ). Em todo este trajeto final se dispõem sobre ou sob algumas fibras do musculus tracheolateralis, exceto em um curto trecho na altura do A- 14 ao A-12, onde são encobertos por muitas fibras musculares.

Medidas do holótipo. Comprimento total 125,0 mm; envergadura 157,0 mm. Bico a partir da margem proximal e distal da abertura nasal: comprimento 7,7/5,4 mm, altura 3,6/ 2,9 mm, largura 4,0/2,5 mm; bico a partir da margem distal do opérculo nasal até a ponta: 5,4 mm. Asa 45,4 mm; cauda 38,9 mm; tarso 18,2 mm; comprimento do primeiro ao terceiro dedo com unhas 35,1 mm e sem unhas 28,1 mm; comprimento das últimas rêmiges secundárias: sétima 27,6 mm, oitava 22,2 mm e nona 17,9 mm (2,0 mm maior do que a sua coberteira superior); comprimento das retrizes: primeira 38,1 mm, segunda 38,9 mm, terceira 38,4 mm, quarta 35,1 mm, quinta 31,6 mm e sexta 24,0 mm (do lado esquerdo, pois o direito é anormal com sete retrizes); largura da retriz central 13,5 mm; comprimento do crânio com o bico 29,5 mm; largura do crânio 13,5 mm; sternum: comprimento 16,3 mm, largura 9,8 mm, largura do metasternum mediano 2,8 mm ( figura 4 View Figura 4 ); massa 12,4 g.

Descrição dos parátipos - coloração. Diferem do holótipo apenas superficialmente pelos seguintes aspectos. O espécime MPEG no. 52945 possui o loro, região orbital, auriculares e estria mistacal aproximadamente cinza e a garganta cinza-claro. Os espécimes MN no. 43379 e MPEG no. 52944 apresentam a estria mistacal cinza e os encontros das asas aproximadamente cinzaescuros. O barramento dos flancos é um pouco mais evidente nos exemplares MN no. 43379, MN no. 43380 e MPEG no. 52944 e quase ausente no exemplar MPEG no. 52945. Este parátipo também possui as pernas praticamente desprovidas de barras, sendo predominantemente cinza-anegrado. As rêmiges primárias e as primeiras secundárias na face superior e inferior são sépia (aproximadamente cor 219) nos exemplares MN no. 43380 e MPEG no. 52945. O espécime MPEG no. 52945 possui uma pequena pena branca sobre o olho esquerdo. O bico de todos os parátipos é predominantemente negro, porém, no espécime MN no. 43379 a base da mandíbula é amarronzado-claro, e no MPEG no. 52944 toda a metade proximal da mandíbula é desta cor. No espécime MPEG no. 52945 a base extrema da mandíbula e a ponta do bico são esbranquiçadas. O interior do bico compõem-se nos parátipos de negro e por tonalidades de cinza, enquanto que o palato apresenta-se também levemente rosado ou amarelado. No espécime MN no. 43379 a cor do interior do bico não foi anotada. A língua difere da do holótipo no espécime MN no. 43380, onde é esbranquiçada na base e amarelada no resto, e no espécime MPEG no. 52945, que se apresenta rosa-clara intercalado entre o branco e o amarelo. A coloração dos tarsos e dedos variou entre tonalidades de marrom e ocráceo em todos os espécimes, sendo no entanto notavelmente mais clara em dois indivíduos, onde se mistura com esbranquiçado e rosa (MPEG no. 52944, MPEG no. amarelado e as unhas dentro de um padrão anegrado no hálux e ocráceo-amarelado nos demais dedos.

Descrição dos parátipos - aspectos morfológicos. Assim como no holótipo, possuem asa eutáxica; dez rêmiges primárias; remicle presente ( figura 7 View Figura 7 ); nove rêmiges secundárias funcionais; pteryla spinalis estendendo-se até a cauda e pteryla ventralis sem separaç ão na margem do flanco ( figura 8 View Figura 8 ); glândula uropigiana desprovida de penas; bico epignato com uma sutil incisão quase na ponta dos tômios da maxila; opérculo nasal móvel; pé anisodáctilo proporcionalmente grande; número de falanges do primeiro ao quarto dedos igual a 2, 3, 4 e 5; e tarso taxaspidiano. Igualmente ao holótipo, em dois parátipos também não se atentou para a existência de uma décima rêmige secundária rudimentar, que foi observada nos exemplares MN no. 43380 e MPEG no. 52945 ( figura 7 View Figura 7 ). O opérculo nasal nos espécimes frescos era totalmente aberto em três parátipos e parcialmente aberto no indivíduo MPEG no. 52945, cujos 0,7 mm distais eram encostados na ranfoteca. As aberturas nasais, por conseqüência, apresentaram respectivamente extens ão igual ou um pouco menor do que a do opérculo. Apresentam número normal de retrizes, igual a 12 e as seguintes fórmulas alares: MN no. 43379, 5>4>3>2=6> 73 l>8>9>10 (asa direita), 5>4>3>2=6= 73 l>8>9>10 (asa esquerda); MN no. 43380, 5=4>3=6=7>2=l>8>9>10 (asa direita); MPEG no. 52944, 6>5=4=7>3>2>l>8>9>10 (asa direita). O espécime MPEG no. 52945 não teve a fórmula alar anotada pela existência de muda nas rêmiges primárias.

O crânio foi analisado nos espécimes MN no. 43380 e MPEG no. 52945. Observou-se a forma da fenda nasal, que é do tipo holorhinal, o palato aegithognathae, o os premaxillare com o processo palatino ausente e o septo nasal parcialmente ossificado (septum nasale osseum) ( figuras 2 e View Figura 2 9 View Figura 9 ).

Apresentam sternum com quatro fenestras ( figura 4 View Figura 4 ), mas o do espécime MPEG no. 52945 não corresponde ao tipo “6” de Heimerdinger e Ames (1967), pois apresenta um pequeno orifício no lado esquerdo do metasternum mediano. Designamos esta forma não descrita Como um novo tipo de sternum: tipo “7”, em seqüência à terminologia adotada por Heimerdinger e Ames (1967).

Nos parátipos não analisamos a enervação e a musculatura das traquéias, apenas das siringes, que apresentam algumas diferenças com relação ao holótipo. No espécime MN no. 43379, observado até o A-25, o A-3 é assimétrico, mas de forma diferente, sendo mais largo no dorso, o que também acontece com o A-4. O A-11 é mais fino no meio da superfície ventral da siringe e o A-12 é largo. A membrana tracheales é menos definida dorsalmente de A-2 a A-3 e de A-11 a A-12, devido à maior espessura do A-3 e do A-11 no dorso da siringe. Os elementos bastante afastados são o A-4 e A-5, tanto no ventre quanto no dorso da siringe. A massa cartilaginosa cobre as extremidades do A-2, A-1 e do B1 no ventre e apenas uma limitada região do A-2 e do A-1 no dorso da siringe. O processus vocalis é mais delgado, não do A-9 e se expande, menos para a região ventral da ave, do A-1 ao A-4.

A siringe possui cerca de 1,9 mm de largura na porção anterior, até mais ou menos o A-14, quando começa a alargarse até mais próxima do elemento A-6, onde atinge a máxima largura de cerca de 2,5 mm. A porção cuja forma é algo cilíndrica é mais curta, entre A-1 e A-4.

O musculus tracheolateralis também é largo, mas na altura do décimo segundo elemento A, anterior à membrana tracheales, abarca cerca de 210° da circunferência da traquéia. Divide-se na altura do A-22 e, ao menos na porção analisada, é simétrico, não apresenta fascículo muscular distinto e constitui-se de uma finíssima lâmina na fraç ão deste músculo que cobre o ventre da siringe. Se fixa na porção anterior do processus vocalis, na altura do A-9, exceto por algumas fibras que se aderem na região látero dorsal da siringe do A-15 ao A-13. Esta inserção deslocada mais para o dorso, difere estas fibras das demais que acompanham, homogeneamente, a lateral da siringe. O musculus sternotrachealis parte do processus vocalis na altura do A-9 ao A-6.

O par de nervos látero dorsal ao musculus tracheolateralis não sofreu espessamento e coloriu com iodo no ramo direito a partir do A-22 e no esquerdo a partir do A-18. O par de nervos látero ventral é bastante diferente. Projeta-se caudolateroventralmente, depois ruma para as faces laterais da siringe, que são alcançadas na altura do A-14 na face esquerda, e na altura do A-18 na face direita da siringe, quando finalmente adentra no musculus sternotrachealis, o que acontece na altura do A-5 na face esquerda, e na altura do A-7 na face direita da siringe. O ramo esquerdo emite dois pequenos prolongamentos, um na altura do A-25 e outro na altura do A-23, que se unem na altura do A-24. Com o ramo direito acontece quase o mesmo, exceto pelo fato de que são emitidos três pequenos prolongamentos, um a mais na altura do A-25. Estes prolongamentos, um de cada lado, se unem na altura do A-24, formando uma barra de cerca de 1,0 mm perpendicular à siringe. Até a altura do A-24 o trato nervoso está sob o musculus tracheolateralis e depois sobre ele.

Na siringe do espécime MN no. 43380, observada até o A-29, os elementos A-1 e A-2 são um pouco menos largos; o A-3 também é assimétrico, mas de outra maneira. Na porção ventral ele é incompleto com a extremidade sobreposta um pouco pelo lado superior. Os elementos finos vão do A-3 ao A-9. O A-10 é um pouco mais largo no dorso da siringe e do A-11 em diante são bastante largos. A membrana tracheales é igualmente curta, mas estende-se de A-2 até A-10 no dorso e de A-2 até A-11 no ventre, onde é menos definida de A-10 até A-1 1 devido à mais larga espessura do A-10. Os elementos bastante afastados vão do A-4 ao A-9 no ventre, e do A-3 ao A-8 no dorso da siringe. A massa cartilaginosa existe apenas na superfície ventral, onde é bastante densa e cobre as extremidades dos elementos A-2, A-1 e B-l. O processus vocalis é um pouco menor, estende-se de A-1 até a altura do A-9, é expandido em direção ao ventre da ave somente do A-1 ao A-4 e não apresenta estreitamento entre a porção alargada e a alongada.

A siringe possui cerca de 1,8 mm de largura na porção anterior, até mais ou menos o A-12, quando começa a alargarse até mais ou menos o A-4, onde atinge a largura máxima de cerca de 2,4 mm. A porção cuja forma é algo cilíndrica é mais curta, de A-1 até A-4.

O musculus tracheolateralis divide-se na altura do A-19 e se fixa na porção anterior do processus vocalis, na altura do A-9, exceto por algumas fibras que se aderem no lado da siringe do A-13 ao A-11. Não apresenta fascículo muscular distinto, ao menos na porção analisada. O musculus sternotrachealis parte do processus vocalis na altura do A-9 ao A-5.

A enervação deste espécime também é bastante diferente da do holótipo. O par de ramos nervosos que se situa látero dorsalmente ao musculus tracheolateralis, na altura do A- 14 projeta-se para o lado látero ventral deste músculo. Ali ruma para a região caudal circundando o musculus sternotrachealis pela face caudal antes de se aderir a este e projetar-se para alguma outra parte do corpo da ave. Sobre a membrana tracheales emite um par de curtos prolongamentos que se projetam quase perpendicularmente, a partir do A-5, para a porção ventral da siringe. Não coloriram com iodo e não sofreram espessamento. O nervo da porção lateral e ventral da siringe, no seu ramo esquerdo, bifurca-se na altura do A-21. Um dos prolongamentos continua caudalmente na lateral da siringe até sumir no musculus sternotrachealis, enquanto que o outro atravessa a região ventral da siringe na altura do A-21 como uma barra perpendicular de cerca de 0,6 mm, para então assumir o mesmo trajeto do prolongamento oposto. O ramo direito bifurca-se na altura do A-22 e uma segunda vez na altura do A-21, transformando-se em três pequenos prolongamentos que se emendam, em locais distintos, ao prolongamento do ramo oposto que atravessa perpendicularmente a região ventral da siringe.

Na siringe do espécime MPEG no. 52945 ( figura 10 View Figura 10 ), observada até o A-28, vários elementos A são assimétricos. O A-2 também é largo, mas é mais fino do que o A-1 na face ventral da siringe, e está conectado com o A-3 no dorso através da sua extremidade esquerda. O A-3 é fino na face ventral e largo no dorso; o A-4 e o A-5 são finos, especialmente na porção ventral; do A-6 ao A-9 são homogeneamente finos; o A-10 é fino no meio da superfície ventral e largo no resto; o A-11 é largo no dorso e bastante largo no ventre; e os demais são bastante largos. A membrana tracheales estende-se do A-2 ao Al 1 na região ventral e do A-3 ao A-10 no dorso da siringe. Os elementos bastante afastados são o A-4 e o A-5, tanto na região ventral quanto no dorso. A massa cartilaginosa é como no espécime MN no. 43379. O processus vocalis prolonga-se do A-1 ao A-8 na face direita, e do A-1 ao A-7 na face esquerda da siringe, sendo no resto igual ao do exemplar MN no. 43379. As dimensões e a forma da siringe conferem com o descrito anteriormente.

O musculus tracheolateralis abarca cerca de 250° da circunferência da traquéia. Fixa-se na extremidade anterior do processus vocalis, na altura do A-8 ao A-7 na face direita, e do A-7 na face esquerda da siringe, exceto por algumas fibras que se aderem látero dorsalmente na siringe do A-16 ao A-12. Caudalmente a estas fibras que se aderem aos elementos A, algumas próximas sofrem uma atenuaç ão, dando a impressão que, no local, o músculo é dividido em dois. O musculus sternotrachealis parte do processus vocalis na altura do A-8 ao A-5 na face direita, e do A-7 ao A-5 na face esquerda da siringe. Nenhum fascículo muscular distinto foi constatado.

O trato nervoso látero dorsal assemelha-se ao do espécime MN no. 43380, ao passo que o látero ventral é distinto dos demais. O par de nervos emite prolongamentos que se projetam na mediana da face ventral da siringe e retornam aos ramos genitores, formando um desenho semelhante a um “X”. O ramo direito bifurca-se na altura do A-24, enquanto que o esquerdo emite dois pequenos prolongamentos na altura do A-23. Os três juntam-se desordenadamente na altura do A-22, local de onde partem, dois novos prolongamentos caudalmente, para se fundirem com os ramos esquerdo e direito na altura do A-21 e A-19, respectivamente. O ramo direito ainda emite outro prolongamento látero ventral, que diverge na altura do A-23 e converge na altura do A-21.

Na siringe do espécime MPEG no. 52944, observada até o A-43, o A-3 é simétrico. A membrana tracheales se estende do A-2 ao A-10 no ventre e do A-2 ao A-9 no dorso da siringe. O processus vocalis, que se projeta do A-2 até a altura do A-8, fixa-se na borda anterior do A-1 e no A-2. O musculus tracheolateralis cobre plenamente a face ventral da siringe na altura do A-31. Este fechamento não é simétrico, pois acontece látero ventralmente. Na altura do A-17 ele se divide novamente. A sua fixação ocorre látero dorsalmente, do A-16 ao A-12 por algumas fibras, e pelas demais na extremidade anterior do processus vocalis, na altura do A- 8. O musculus sternotrachealis parte do processus vocalis na altura do A-8 ao A-6. Os demais aspectos musculares e cartilaginosos deste espécime concordam com o descrito acima para o resto da série-tipo.

O trato nervoso também apresenta algumas diferenças. O nervo látero dorsal é ausente caudalmente. Na altura do A-31 o ramo direito apresenta-se vindo da face ventral da siringe (do trato ventral?). O esquerdo é observado na altura do A-34, vindo de um ramo que atravessa o dorso da siringe, a partir da sua face direita. Na altura do A-26 ele se encorpa recebendo um prolongamento que se origina, igualmente, a partir da face dorsal direita da siringe. Estes ramos e o prolongamento não puderam ter a sua origem observada, pois estavam rompidos. Na sua fraç ão posterior, o trato nervoso látero dorsal assemelha-se aos demais espécimes descritos. O trato nervoso látero ventral recorda o do espécime MPEG no. 52945. No entanto, o “X” é formado por quatro prolongamentos ao invés de cinco, que se fundem deslocados látero ventralmente de forma ainda mais desordenada na altura do A-20 e A-19.

Medidas dos parátipos. MN no. 43379 (macho adulto); comprimento total 127,0 mm; envergadura 167,0 mm. Bico a partir da margem proximal e distal da abertura nasal: comprimento 8,0/6,0 mm, altura 4,2/3,2 mm, largura 4,1/ 2,8 mm; bico a partir da margem distal do opérculo nasal até a ponta: 5,4 mm. Asa 49, 2 mm; cauda 40,7 mm; tarso 19,0 mm; comprimento do primeiro ao terceiro dedo com unhas 36,6 mm e sem unhas 28,5 mm; comprimento das últimas rêmiges secundárias?; comprimento das retrizes?; largura da retriz central 12,3 mm; comprimento do crânio com o bico?; largura do crânio 13,6 mm; sternum: comprimento 16,3 mm, largura 10,6 mm, largura do metasternum mediano 3,3 mm; massa 15,0 g.

MN no. 43380 (macho adulto); comprimento total 131,0 mm; envergadura 168,0 mm. Bico a partir da margem proximal e distal da abertura nasal: comprimento 8,5/5,8 mm, altura 4,1/3,0 mm, largura 4,2/2,5 mm; bico a partir da margem distal do opérculo nasal até a ponta.? Asa 47,7 mm; cauda 41,8 mm; tarso 19,5 mm; comprimento do primeiro ao terceiro dedo com unhas 35,5 mm e sem unhas 28,3 mm; comprimento das últimas rêmiges secundárias: sétima 30,5 mm, oitava 25,8 mm, nona 20,1 mm (maior de que a sua coberteira superior) e décima 10,5 (2,1 mm menor que a sua coberteira superior); comprimento das retrizes: primeira 40,4 mm, segunda 41,8 mm, terceira 39,4 mm, quarta 36,8 mm, quinta 30,5 mm e sexta 21,9 mm (últimas três desgastadas); largura da retriz central 12,3 mm; comprimento do crânio com o bico 31,3 mm; largura do crânio 13,6 mm; sternum: comprimento 16,3 mm, largura 9,2 mm, largura do metasternum mediano 2,4 mm; massa 14,8 g.

MPEG no. 52945 (macho adulto); comprimento total 127,0 mm; envergadura 159,0 mm. Bico a partir da margem proximal e distal da abertura nasal: comprimento 7,5/5,1 mm, altura 3,9/3,2 mm, largura 4,0/2,8 mm; bico a partir da margem distal do opérculo nasal até a ponta.? Asa 44,5 mm; cauda 38,4 mm (bastante desgastada); tarso 19,6 mm; comprimento do primeiro ao terceiro dedo com unhas 35,0 mm e sem unhas 28,2 mm; comprimento das últimas rêmiges secundárias: sétima 28,7 mm, oitava? (quebrada), nona 19,5 mm e décima 10,0 mm (2,1 mm menor que a sua coberteira superior); comprimento das retrizes?; largura da retriz central 12,5 mm; comprimento do crânio com o bico 29,8 mm; largura do crânio?; sternum: comprimento 16,2 mm, largura 10,0 mm, largura do metasternum mediano 2,7 mm; massa 14,5 g.

MPEG no. 52944 (fêmea imatura); comprimento total 123,0 mm; envergadura 155,0 mm. Bico a partir da margem proximal e distal da abertura nasal: comprimento 7,5/5,0 mm, altura 3,5/2,7 mm, largura 4,1/2,3 mm; bico a partir da margem distai do opérculo nasal até a ponta: 5,0 mm. Asa 43,3 mm; cauda 37,7 mm; tarso 18,5 mm; comprimento do primeiro ao terceiro dedo com unhas 33,7 mm e sem unhas 26,6 mm; comprimento das últimas rêmiges secundárias: sétima? (em muda), oitava 22,7 mm e nona 17,4 mm (maior do que a sua 37,7 mm, segunda 37,5 mm, terceira 36,7 mm, quarta 32,0 mm, quinta 27,7 mm e sexta 21,1 mm; largura da retriz central 11,1 mm; comprimento do crânio com o bico?; largura do crânio?; sternum: comprimento 16,6 mm, largura 9,5 mm, largura do metasternum mediano 3,0 mm; massa 12,4 g.

Etimologia. “ Iraiensis ” quer dizer natural do Iraí, referência que fazemos à localidade-tipo da espécie nova, rio Iraí, que deverá ser alagada. Para o nome comum em português, “macuquinho- da-várzea”, utilizamos do termo popular com o qual se designa o ambiente onde vive esta espécie nova, enquanto que “macuquinho” foi adotado por Willis e Oniki (1991) para todos os Scytalopus spp. brasileiros. Para o nome em inglês, sugerimos “Tall- grass Wetland Tapaculo”.

ASPECTOS MORFOLÓGICOS

Na diagnose de S. iraiensis sp. nov. utilizamos vários caracteres da sua morfologia para situá-lo nos Rhinocryptidae . No entanto, a maioria senão todos estes caracteres também são compartilhados com algum outro grupo de ave, de modo que discutimos a seguir o enquadramento taxonômico. Outros aspectos plumários e morfológicos da espécie nova também são comentados e comparados entre os demais representantes da família.

A série-tipo constitui-se de três machos adultos, uma fêmea adulta e uma fêmea imatura (MPEG no. 52944). A condição etária deste espécime foi definida pela ausência de pneumatização craniana, pela comissura bem desenvolvida e pela coloração mais clara do bico ( vide Sick 1960:162). Se admitirmos que S. iraiensis sp. nov. possui uma plumagem juvenil distinta (sensu Harrison e Dyck 1985), como os demais Scytalopus spp. ( Ridgely e Tudor 1994, Whitney 1994), o espécime imaturo poderia ter efetuado apenas uma ou duas trocas de penas posteriores à plumagem juvenil, o que implicaria que a espécie adquire o colorido do adulto com cerca de um ano de vida. Em outros congêneres o processo é semelhante ( e.g. S. indigoticus ) ou bem mais demorado ( e.g. S. speluncae ) ( vide Ridgely e Tudor 1994). No entanto, optamos por aguardar pela obtenção de mais exemplares da espécie nova antes de considerar a rápida aquisiç ão da plumagem do adulto como uma característica diagnóstica entre S. iraiensis sp. nova e S. speluncae.

Os exemplares de S. iraiensis sp. nov. apresentam grande uniformidade na coloração da plumagem e não possuem dimorfismo sexual plumário ( figura 11 View Figura 11 ). Esta característica possivelmente diferencia a espécie nova de S. speluncae , cuja plumagem vai se tomando gradualmente cinza-ardósia, exceto talvez nos flancos das fêmeas que aparentemente permanecem barrados. Ridgely e Tudor (1994) afirmam que a fêmea de S. speluncae é similar ao macho, mas nós nunca examinamos alguma totalmente cinza-ardósia, de modo que o dimorfismo sexual nesta espécie é assunto sujeito a confirmaç ão. No que concerne a presença de uma pena branca em um exemplar da espécie nova, é mencionável que isto acontece comumente nas aves, inclusive nos Scytalopus

As diferenças nas medidas e na massa corpórea dos indivíduos de S. iraiensis sp. nov., embora pouco apreciáveis, revelam que as medidas de fêmeas são, em regra, menores que as médias e os machos são, em grande parte, maiores ( tabela 3 View Tabela 3 , figura 12 View Figura 12 ). Digno de menç ão, é o fato de S. speluncae aparentemente não possuir diferença de massa entre os sexos, mas uma possível variação clinal. Seis espécimes de Minas Gerais e Rio de Janeiro pesaram entre 14,8 e 16,0 g (x= 15,5; todos machos), enquanto que nove do sul do Brasil (PR, SC, RS) pesaram entre 11,5 e 15,0 g (x = 13,1; quatro machos, quatro fêmeas e um indeterminado) ( Sick 1958, 1960, Belton 1994; tabela 3 View Tabela 3 ). Esta tendência dos espécimes meridionais serem mais leves pode refletir-se também em menores medidas, especialmente de asa e cauda ( vide Naumburg 1937).

A condição eutáxica, na qual a quinta rêmige secundária está presente, ocorre em todos os Passeriformes e em outras Ordens ( e.g. Tinamiformes, Cuculiformes) ( Dabbene 1910, Harrison 1985, Voous 1985). Dentro de algumas Ordens, e mesmo de uma ú nica família, esta condição também ocorre com a oposta diastatáxica, na qual a quinta secundária está ausente ( Raikow 1982).

A fórmula alar em S. iraiensis sp. nov. varia individualmente, exceto na seqüência das quatro menores penas (1>8>9>10) (N = 4). Em S. indigoticus a constância se verifica na maior rêmige (5 a) e nas quatro menores, uma das quais difere da espécie nova (7>8>9> 10) (N = 3). Em S. speluncae a constância verifica-se apenas nas três menores rêmiges (8>9>10) (N = 3), enquanto que a quarta menor é a primeira (N = 1) ou a sétima (N = 2). Também ocorreu variação na fórmula alar de uma asa para a outra, o que se observou em um exemplar de cada uma destas três espécies.

Dez rêmiges primárias estão presentes na maioria das aves (excluída a remicle), como nos Tyranni, ao passo que outras possuem duas ou três ( Casuariidae ), quatro ( Apterygidae ), nove ( e.g. muitos Oscines neotropicais), onze ( e.g. Ciconiidae , Phoenicopteridae ) e até 16 ( Struthionidae ) ( Ginn e Melville 1983, Campbell e Lack 1985: 486, Harrison 1985, Sick 1997).

A remicle está presente em um grande número de aves ( Campbell e Lack 1985: 486, 502, Harrison 1985). Embora vestigial, apresenta variações no tamanho ( Stresemann 1963). Nos Rhinocryptidae ocorre ao menos em todas as espécies da tabela 1 View Tabela 1 onde esta característica pode ser observada (todas exceto Pteroptochos megapodius ), nas quais apresentou-se de forma lanceolada e proporcionalmente pequena.

O número de rêmiges secundárias nas aves varia bastante, sendo por exemplo, seis ou sete em Trochilidae , 11 em Picidae , 18 a 25 em Cathartidae e até mais de 40 em Diomedeidae (Ginn e Melville 1983) . Os Passeriformes normalmente possuem nove, mas podem apresentar até 14 ( Ginn e Melville 1983). As informações, aqui apresentadas, provavelmente tomadas de forma diferente da dos demais autores, apontam para dez secundárias em S. iraiensis sp. nov. (N = 2), S. speluncae (N = 2) e em S. indigoticus (N = 3), sendo que a última é rudimentar. Um exemplar de Melanopareia torquata apresentou nove secundárias, mas é preferível confirmar este dado com mais espécimes. A título ilustrativo, com o mesmo critério analisamos alguns Thamnophilidae , encontrando-se nove ou dez secundárias. Uma vez que não é possível examinar com segurança este caractere em peles taxidermizadas, toma- se difícil aprofundar este assunto.

Nas aves que possuem retrizes, o número varia de quatro até mais de 30, sendo 12 a quantidade mais freq ü ente (Ginn e Melville 1983). Dentre os Rhinocryptidae , Psilorhamphus guttatus possui apenas oito retrizes ( Sick 1997), enquanto que as demais espécies analisadas quanto a esta característica apresentam 10 e/ou 12 ( tabela 1 View Tabela 1 ). Com 10 retrizes têm-se M. torquata , S. unicolor , S. indigoticus , S. psychopompus e S. superciliaris. Notavelmente S. speluncae apresenta 10 (N = 8 espécimes; 33% de 24 examinados) e 12 retrizes (N = 16; 67%). Situaç ão similar parece ocorrer com S. novacapitalis , pois dois exemplares possuem 10 retrizes e um deles 12, que pode tratar-se de igual variação individual ou anomalia. As outras nove espécies examinadas apresentam 12 retrizes ( tabela 1 View Tabela 1 ), mas ressaltamos que maiores amostras poder ão mudar algum julgamento.

O dimorfismo quanto ao número de retrizes em S. speluncae aparentemente é mais freq ü ente no sul do Brasil. Da série analisada, a maioria dos espécimes com 10 retrizes são do Paraná (N = 5), enquanto que os demais são do Rio de Janeiro (N = 2) e de Santa Catarina (N = 1). Em termos percentuais, o Paraná apresentou 83% dos seus espécimes com dez retrizes, Santa Catarina 50% e o Rio de Janeiro 18%.

Observamos dois Rhinocryptidae anômalos, com 13 retrizes. Um exemplar da espécie nova contém uma retriz a mais no lado direito (MN no 43378 holótipo) e um P. megapodius apresenta duas primeiras retrizes no lado direito (MZUSP no. 3807). Retrizes supranumerárias ocorrem em várias aves, podendo acontecer com a adição de penas, como no caso do S. iraiensis sp. nov., ou com a duplicaç ão de folículos, como no caso do P. megapodius ( Parkes 1996) .

Vários S. speluncae e um dos dois S. femoralis analisados possuem as tetrizes do peito estreitas e com a ponta algo lanceolada ( figura 3 View Figura 3 ). Nos demais Rhinocryptidae examinados ( tabela 1 View Tabela 1 ), não detectamos esta característica.

Ao menos entre os Passeriformes , a pterilose com a pteryla ventralis sem separaç ão na margem do flanco só ocorre nos Rhinocryptidae ( Ames et al. 1968) . Exceções são M. maranonica ( Ames et al. 1968) e M. torquata (obs. pess.), nas quais esta região é separada respeitando a condição geral dos Passeriformes . A pars pélvica emplumada é outra característica dos Passeriformes ( Clench 1985) , exceto nos Thamnophilidae , que a apresentam com nenhuma ou somente poucas pequenas penas esparsas ( Ames et al. 1968).

A papila da glândula uropigiana ( papilla uropygialis sensu Baumel et al. 1993) pode ou não conter um tufo de penas, o que ocorre de forma distribuída nas Aves ( Raikow 1982). Nos Passeriformes ela é desprovida de penas ( Raikow 1982).

Bico epígnato com uma incisão quase na ponta dos tômios da maxila ocorre ao menos em todos os Rhinocryptidae da tabela 1 View Tabela 1 em que esta característica pode ser conferida pelos autores (todos exceto S. rubecula). Nas espécies menores esta chanfradura é quase imperceptível, ao passo que nas maiores é bem conspícua.

A presença de opérculo nasal móvel ( Sick 1960, 1985, 1997, Holyoak 1978, Hilty e Brown 1986, Ridgely e Tudor 1994) é uma característica própria dos Rhinocryptidae (Campbell e Lack 1985: 375) . A sua forma em espécimes frescos de Scytalopus spp. , apresenta algumas diferenças. O opérculo pode ser total ( S. iraiensis sp. nov., N = 4) ou parcialmente aberto ( S. speluncae , N = 4; S. indigoticus , N = 4; S. iraiensis sp. nov., N = 1), culminando respectivamente com uma abertura nasal coincidente ou não com o seu comprimento. Quando o opérculo é parcialmente aberto, variável extens ão da sua porção distal fica encostada na ranfoteca ou um pouco acima dela. O contorno desta porção distal do opérculo também varia, sendo côncavo ou reto em S. iraiensis sp. nov. e S. speluncae e convexo em S. indigoticus ( figura 9 View Figura 9 ).

Pé anisodáctilo com 2, 3, 4 e 5 falanges respectivamente do primeiro ao quarto dedos, é a condição da maioria das aves e de todos os Passeriformes ( Raikow 1982) . Cada superfamília dos Tyranni apresenta quase todos os tipos de escutelaç ão tarsal, sendo que em Fumarioidea é taxaspidiana nos Thamnophilidae ( Ames et al. 1968) e em parte dos Rhinocryptidae . Ames et al. (1968) consideraram os Rhinocryptidae como taxaspidianos, não obstante Plótnick (1958) já tivesse descrito o tarso de P. guttatus como liso. Este autor, entretanto, equivocou-se ao considerar esta espécie como a ú nica exceç ão da família quanto ao revestimento do tarso, pois L. thoracicus também apresenta escutelaç ão lisa. As demais espécies por nós analisadas ( tabela 1 View Tabela 1 ) apresentam o revestimento taxaspidiano.

Palato egithognathae é observado em todos os Passeriformes , além de outras aves ( Raikow 1982). Fenda nasal holorhinal, que também é comum na Classe, dentre os Tyranni só não ocorre nos Fumariidae e em parte dos Dendrocolaptidae (Jollie 1958, Ames et al. 1968, Feduccia 1973).

O processo palatino do os premaxillare é uma característica ausente ou presente nos Passeriformes ( Bock 1960) . Nos poucos Rhinocryptidae analisados por este autor, esta estrutura esteve ausente, assim como o observado por nós em S. iraiensis sp. nov. (N = 2), S. speluncae (N = 1) e S. indigoticus (N = 1).

O septo nasal na maioria das aves é cartilaginoso mas em algumas espécies ossifica-se em extensões variáveis ( Dabbene 1910, Burton 1985, Baumel et al. 1993), conforme constatado em S. iraiensis sp. nov. (N = 2) ( figura 2B View Figura 2 ). Os crânios de um S. speluncae e de um S. indigoticus examinados não possuíam o septo ossificado. Uma vez que existe a possibilidade de ocorrer variação ontogenética (H. F. Alvarenga com. pess., 1998), preferimos analisar mais espécimes osteológicos antes de considerar a diferença observada como diagnóstica.

Winkler (1985) comenta que são raros os Passeriformes cuja pneumatização craniana não é total, dentre os quais pelo menos S. iraiensis sp. nov., S. speluncae e S. indigoticus são exemplos (veja figura 2A View Figura 2 ). Contudo, isto não é comum a todos os Rhinocryptidae , pois ao menos em M. torquata o crânio pneumatiza completamente (obs. pess.; N = 3). Para o auxílio na determinaç ão da idade em Scytalopus , sugerimos atentar para o contorno, do crânio, removendo neste caso alguns músculos.

Entre os Tyranni, sternum com quatro fenestras, correspondente ao tipo “6” de Heimerdinger e Ames (1967) e tipo “7” deste estudo (veja Descrição dos parátipos - aspectos morfológicos), encontra-se apenas em alguns dos Formicariidae e nos Rhinocryptidae , exceto um P. tarnii no qual um lado possui duas fenestras (tipo “6”) e o outro uma fenestra e um orifício (tipo “5”) (Heimerdinger e Ames 1967, Ames et al. 1968). Os sternum que analisamos de M. torquata (N = 1), S. speluncae (N = 5) e S. indigoticus (N = 5) são todos do tipo “6”.

A comparaç ão do sternum dos Scytalopus spp. revelou algumas diferenças na forma e na proporç ão (veja Diagnose - plumagem e morfologia acima, figura 4 View Figura 4 , tabela 2 View Tabela 2 ). O de S. iraiensis sp. nov. é longo e estreito, o de S. speluncae é curto e largo e o de S. indigoticus é intermediário. O metasternum mediano é largo em S. speluncae, estreito em S. indigoticus e intermediário na espécie nova. Em S. iraiensis sp. nov., S. speluncae e em alguns S. indigoticus (N = 3) o extremo anterior da fenestra mediana situa-se abaixo do extremo anterior da fenestra lateral, disposiç ão esta contrária em dois S. indigoticus . Os processos lateral metasternal e posterior lateral são convergentes ( S. indigoticus , N = 3), paralelos ( S. iraiensis sp. nov., N = 2; S. speluncae, N = 2; S. indigoticus, N = 1) ou divergentes ( S. iraiensis sp. nov., N = 3; S. speluncae, N = 3; S. indigoticus, N = 1).

Entre os Passeriformes , a siringe com membrana tracheales e processus vocalis é característica dos Fumarioidea ( Ames et al. 1968, Ames 1971, Voous 1985). Ausência de músculos intrínsecos nesta Ordem é observada Fumarioidea, nos Formicariidae , Conopophagidae e em parte dos Rhinocryptidae ( Ames 1971) . Ainda dentre os Passeriformes , a cartilagem pessulus está presente em quase todas as espécies, mas ausente em todos os Fumarioidea ( Ames 1971).

A siringe dos Rhinocryptidae difere todas as espécies que possuem esta estrutura descrita, o que corresponde a onze espécies dentre sete gêneros ( Ames 1971, este estudo). A esta relação poderíamos acrescentar M. torquata (N = 1), cuja siringe não descrita e examinada por nós é diferente de M. maximilliani , ao menos pela ausência de fusão de elementos cartilaginosos A. Excluímos desta relação a descrição da siringe de P. guttatus ( Plótnick 1958) devido à errônea definiç ão de musculatura intrínseca e à brevidade dos detalhes. Por estes mesmos motivos não consideramos neste cômputo a descrição de Müller (1847), da siringe de S. indigoticus.

Do gênero Scytalopus se conhece a siringe de quatro espécies. A de S. iraiensis sp. nov. e S. speluncae são semelhantes e por sua vez muito diferentes da siringe de S. indigoticus e S. magellanicus, que entre si também são bastante distintas. Esse é um fato notável considerando-se que pertencem ao mesmo gênero. Destaca-se ainda a ausência de musculatura intrínseca nos três Scytalopus por nós analisados, uma vez que era uma característica até então conhecida na família apenas para Teledromas fuscus ( Ames 1971) .

Algumas sutis diferenças apontadas entre as siringes da espécie nova quanto a posiç ão do trato nervoso látero ventral e das fibras musculares na região mediana da face ventral da siringe, podem ter origem na fixação torcida da peça, fato que constatamos ocorrer ao manipularmos uma siringe de S. speluncae antes de fixá-la. O mesmo não se aplica para a torç ão do processus vocalis de S. speluncae, cuja forma foi confirmada em uma peça fresca. A presença de algumas fibras látero dorsais do musculus tracheolateralis contínuas com parte do musculus sternotrachealis em S. magellanicus ( Ames 1971) , característica não constatada nos Scytalopus examinados, poderia ser uma interpretaç ão errônea de um eventual espessamento do par de nervos látero dorsal.

Finalizando, cumpre ressaltar, que devido às diferenças na morfologia e no canto de S. speluncae ( vide Straneck e Carrizo 1990, Vielliard 1990), seria oportuno estudar esta espécie mais profundamente, pois com o seu nome talvez esteja-se denominando duas ou mais espécies crípticas.

HÁBITAT

Scytalopus iraiensis sp. nov. habita campos úmidos situados na planície de inundaç ão de alguns rios ( figura 13 View Figura 13 ). Este ambiente foi denominado como campo edáfico das baixadas (Klein e Halschbach 1962). Segundo os critérios de classificaç ão da vegetação brasileira propostos pelo Projeto RADAMBRAS1L (in Veloso et al. 1991), aplica-se o termo “Formação Pioneira de Influência Fluvial” margeada por “Formação Ombrófila Mista Aluvial” (floresta de galeria). Popularmente, estas áreas são chamadas de várzeas, mas o termo inclui as florestas ciliares sujeitas a inundações periódicas dos rios. Quanto à idade geológica, estas várzeas

A nova espécie ocorre onde a vegetação é alta ( ca. 60- 180 cm) e forma uma trama densa e fechada de finas folhas de capins e ciperáceas. Olhando do alto não é possível enxergar o solo, a não ser que a massa de folhas seja afastada. Próximo ao ch ão o aspecto é bastante diferente. Grande parte do solo é ocupado por mudas de capins e ciperáceas, distantes umas das outras, cujas bases são estreitas mas que se alargam à medida que ganham altura ( figura 14 View Figura 14 ). Este formato de cone invertido favorece a conduç ão dos detritos para a base das plantas, onde se observa um solo orgânico fofo, oriundo da decomposiç ão dos detritos empilhados ao longo do tempo. Isto faz com que o ch ão destas várzeas pareça ter dois níveis: o térreo e o primeiro andar, delimitado pelo solo acumulado a aproximadamente 20 cm da base das moitas. Durante os períodos de chuva o ch ão fica parcialmente submerso por alguns centímetros de água. Em períodos de enchente não foi possível visitar o local.

Excetuando-se as escassas briófitas, o substrato da várzea é desprovido de vegetais, certamente devido à pouca luminosidade, o que confere um aspecto de solo nu. Grande parte da luz é retida pela vegetação. Na metade da altura da várzea a luminosidade é equivalente a do estrato inferior de uma floresta primária ( ca. 300 lux). Rente ao solo a luminosidade é quase nula ( ca. 7-15 lux), tal qual uma noite.

A homogeneidade das várzeas é quebrada por arbustos que se desenvolvem acima da trama das folhas, e por algumas plantas de folhas fortes e largas que mantém a vegetação circundante afastada ( e.g. Blechnum sp. - Blechnaceae , Eryngium spp Apiaceae Cenecio sp. Asteraceae ) como se estivessem alojadas em um buraco no meio do capinzal. Algo parecido também acontece com muitos arbustos, que por serem constantemente balançados pelo vento afastam um pouco a trama de folhas, dando a impressão de que seus troncos cresceram no meio de um estreito túnel.

Na localidade-tipo, o ambiente de S. iraiensis sp. nov. aparentemente é dominado por Eleocharis sp. ( Cyperaceae ), cujas finas e longas folhas são as grandes responsáveis pelo aspecto característico da várzea. Várias outras espécies com folhas similares também contribuem para formar a trama acima descrita, dentre as quais muitas Cyperaceae ( e.g. Rhynchospora globosa , Rhynchospora sp. ), Poaceae ( e.g. Brisa sp.), entre outras. Muitos arbustos sobressaem do meio da vegetação, como Eupatorium spp. , Baccharis semiserrata , B. illinita , Baccharis sp. ( Asteraceae ), Tibouchina gracilis , T. ursina ( Melastomataceae ), Siphocampilus verticillatus ( Campanulaceae ), Leucothoe sp. ( Ericaceae ), Rapanea parvifolia ( Myrsinaceae ) e Eupatorium bupleurifolium ( Asteraceae ), que é abundante. Várias plantas ainda são observadas, como capins ( e.g. Eriochrysis sp. , Panicum sp. - Poaceae ), ervas ( e.g. Vernonia spp. - Asteraceae , Anagalis arvensis - Prirttulaceae), trepadeiras, samambaias, entre outras ( e.g. Begonia sp. - Begoniaceae , Linum sp. - Linaceae ).

Scytalopus iraiensis sp. nov. vive nas várzeas junto com várias outras aves, que são tradicionalmente denominadas de espécies de brejos, de campos ou de capoeiras. Na localidade-tipo convivem com a nova espécie, por exemplo, Porzana albicollis , Laterallus leucopyrrhus , Eleothreptus anomalus , Colibri serrirostris , Synallaxis spixi , Phacellodomus striaticollis , Thamnophilus ruficapillus , Cyanoloxia glaucocaerulea , Emberizoides ypiranganus , Donacospiza albifrons , Poospiza nigrorufa e Embemagra platensis .

Campos de várzea ocorrem no Paraná em três áreas distintas: da região metropolitana de Curitiba até o sul do estado (bacia hidrográfica do Iguaçu); aproximadamente na porção nordeste do estado (bacia hidrográfica do Tibagi); e no extremo noroeste do estado (bacia hidrográfica do Paraná) ( Maack 1950, 1981). Estas várzeas do noroeste situam-se em uma região tropical, com baixa altitude e aparentemente possuem vegetação distinta das demais, que se localizam em zonas temperadas, de altitudes mais elevadas e que compartilham entre si várias espécies de plantas (G. Hatschbach com. pess., 1998). Semelhantes a estas também devem ser as poucas várzeas que ocorrem na bacia hidrográfica do Iguaçu no Estado de Santa Catarina, na divisa com o Paraná ( Klein 1978).

No sul do Brasil existem outros ambientes parecidos com as várzeas de planalto mencionadas. São estes alguns campos de altitude do cume de certas montanhas da Serra do Mar (Paraná) e da Serra Geral (Santa Catarina), e os campos úmidos que ocorrem como manchas nas depressões do relevo nos domínios dos campos limpos do planalto meridional brasileiro (sul do Paraná ao norte do Rio Grande do Sul). É possível que S. iraiensis sp. nov. ocorra nestes campos e várzeas de altitude, dos quais investigamos apenas uma localidade na bacia hidrográfica do Tibagi/Parque Estadual de Vila Velha)

Distribuição e habitat dos congêneres nas proximidades da espécie nova. Na propriedade de C. Loureiro registramos a espécie nova na várzea e S. speluncae a poucos metros, na floresta. Na localidade de Corvo (25°20’S, 48°54’W), município de Quatro Barras, distante 27 km da localidade- tipo, ocorrem na floresta, lado a lado, S. speluncae e S. indigoticus. Este fato, aliás, contraria Vielliard (1990) que afirmou serem ambas não sintópicas. Em hábitat um pouco parecido ao de S. iraiensis sp. nov. vimos S. speluncae no cume do Morro Itapiroca (25°14’S, 48°52’W), município de Campina Grande do Sul, onde a floresta fazia transição com o campo. No entanto, ao menos na região sudeste do país S. speluncae também vive nos campos do alto das serras ( Sick 1960, 1997: 32).

ECOLOGIA

Comportamento. Scytalopus iraiensis sp. nov. desloca-se principalmente no solo nu. Usa também a trama de folhas e os arbustos, através dos quais desce ao ch ão ou acessa o topo da vegetação. Por vezes alça vôo sobre o campo, especialmente se espantada pela presença humana, baixando dentro da vegetação através dos galhos dos arbustos ou atravessando a trama de folhas, que às vezes oferece bastante resistência. O vôo é pesado e curto, não atingindo mais do que 10 m. Durante o inverno vários indivíduos voavam com extrema dificuldade, ao ponto de quase poderem ser capturados com as m ãos, provavelmente porque mudavam as penas. O andar é silencioso e bem rápido, sendo que as poucas vezes que foram observados com maior precisão de detalhes, deslocavam-se com a cauda na horizontal. Algumas vezes foram observados caminhando pela linha de redes ornitológicas, sob a qual passavam sem problemas, abaixando a cabeça.

Assim como os demais representantes do gênero, esta espécie é extremamente difícil de ser observada, mas facilmente ouvida. Vocaliza ao longo do ano e do dia, sendo que mais freqüentemente pela manhã e pela tarde. Pela manhã, todavia, parece que não costuma vocalizar muito cedo. Em uma oportunidade, no verão, suas primeiras vocalizações começaram somente 1 h após o clarear do dia. Normalmente o canto não é muito prolongado e as notas não são emitidas muito aceleradas, mas a espécie também modifica este padrão espontaneamente. Excitada por “playback” canta prolongadamente, muitas vezes acelerando a emissão de notas, chegando ao ponto de um indivíduo ter vocalizado ininterruptamente por 11 min. Igualmente a outros congêneres, quando atraída por “playback”, normalmente aproxima-se antes de responder. Quando assustados emitem uma vocalização distinta, provavelmente de alarme (veja VOCALIZAÇÕES a seguir).

Alimentação. A análise dos conteúdos estomacais dos espécimes coletados revelou a presença de pequenos artrópodes, os quais encontravam-se fragmentados ( tabela 4 View Tabela 4 ). Os itens mais ingeridos foram Hemiptcra, presente em todos os conteúdos, seguido de Coleoptera e Blattodea, presentes em quatro conteúdos. Blattodea esteve representada através de ootecas. Os vegetais encontrados em um dos estômagos podem ter sido ingeridos acidentalmente ( vide Ruschi 1979: 285).

O estudo de Schubart et al. (1965) também revelou principalmente insetos na alimentação de S. speluncae, S. indigoticus e S. novacapitalis, além de um molusco e restos de musgo. Digno de menç ão é o fato de Olalla (1938) ter encontrado basicamente Hemiptera na dieta de L. thoracicus .

Muda e reprodução. Os espécimes coletados no outono possuíam gônadas inativas e muda de plumagem. O espécime do fim da primavera estava reproduzindo, sem muda de penas, e o do início do verão estava com gônadas ativas e pouca muda de penas. Esta cronologia se enquadra no padrão geral das aves.

Ectoparasitas. O espécime MN no. 43378 (holótipo) possuía uma pequena larva de carrapato na cabeça ( Amblyomma sp. , Ixodidae ) e alguns aglomerados de larvas de Trombiculidae no abdômen. Os espécimes MN no. 43379 e MPEG no. 52945 também apresentavam larvas de Trombiculidae no abdômen, mas em menor quantidade. Estes artrópodes parasitam comumente várias espécies de aves ( Marini et al. 1996, obs. pess.).

VOCALIZAÇÕES

O canto é composto pela prolongada repetiç ão de uma nota curta de grande amplitude (“tchek- tchek-tchek...”) ( figura 15D View Figura 15 ), cuja duração varia bastante, desde 0,5 a 11 min. O início de um canto típico, no entanto, é constituído de uma curta série de notas distintas ( figura 15 A View Figura 15 ) que passa rapidamente por um estágio intermediário ( figura 15B View Figura 15 ) antes de assumir a forma característica ( figura 15C, D View Figura 15 ).

O início do canto constitui-se de cinco a oito emissões lentas de notas longas compostas pelo fundamental e mais quatro harmônicos, que apresentam uma sutil modulação de freqüência ascendente descendente. O fundamental ou o primeiro harmônico concentram a maior energia e os dois ú ltimos harmônicos, às vezes, são ausentes ou pouco audíveis. As notas do início do canto de quatro indivíduos apresentaram uma duração média de 106 ms (SD = ± 22; N = 22) e um intervalo médio de 354 ms entre as emissões (SD = ± 137; N = 20). O ponto de maior energia situa-se em média a 1,38 kHz (SD = ± 0,33; N = 29). Os intervalos médios das frequências dos componentes destas notas estão apresentados na tabela 5. View Tabela 5

A porção de transição do canto compõem-se por notas caracterizadas pelos seguintes aspectos: maior energia no fundamental, dois harmônicos, modulação de freqüência ascendente descendente pronunciada e, comparadas com as do início do canto, são mais curtas e emitidas em intervalos de tempo menores ( figura 15B View Figura 15 ).

A nota do canto apresenta uma modulação de freqüência ascendente descendente bastante pronunciada no fundamental, o qual concentra a maior energia e é acompanhado apenas pelo primeiro harmônico, que é pouco expressivo ( figura 15C, D View Figura 15 , 16A View Figura 16 ). A amplitude de modulação de freqüência do fundamental situa-se entre os extremos de 0,73 e 3,6 kHz (média de 0,94 kHz ± 0,08 a 2,81 kHz ± 0,52; N = 50), estando o ponto de maior energia localizado a 2,15 kHz em média (SD = ± 0,45; N = 50). No canto analisado de cinco indivíduos, a nota durou em média 38 ms (SD = ± 5; N = 50), foi emitida em média 4,38 vezes por segundo (SD = ± 0,31) e com um intervalo médio de tempo entre cada emissão de 194 ms.(SD = ± 15; N = 50). Por vezes ocorrem interrupções rápidas de 1 a 5 segundos na frase, cuja retomada se faz com o ritmo já acelerado.

Observamos uma variação no canto propriamente dito de dois indivíduos. A nota apresentou apenas a parte descendente de freqüência, tanto no fundamental como no harmônico, o que também permitiu que fosse emitida mais rapidamente ( figura 16A View Figura 16 ).

A excitação, resultante do uso de “playback”, não modificou a estrutura geral do canto, apenas levou, em alguns casos, os indivíduos excitados a iniciarem a vocalização de forma acelerada, ou a cantarem mais prolongadamente.

Existe ainda outra manifestaç ão sonora de S. iraiensis sp. nov., que é um tipo de vocalização de alerta transcrita como “pic- pic...pic...pic-pic...”, que lembra as chamadas de algum Emberizidae . Caracteriza-se por uma nota composta por fundamental mais um harmônico, emitida solitária ou aos pares de uma a dez vezes, mas principalmente a partir de seis. A modulação de frequência é ascendente e descendente no fundamental, e apenas ascendente no harmônico ( figura 16B View Figura 16 ). Analisando esta vocalização de três indivíduos gravados na localidade-tipo, verificamos uma duração média para a nota de 35,53 ms (SD = ± 0,62; N = 34) e um intervalo médio de frequência para o fundamental de 1,41 kHz (SD = ± 0,16; N = 34) a 3,55 kHz (SD = ± 0,16; N = 34). O ponto de maior energia situa-se em média a 3,18 kHz (SD = ± 0,13; N = 34). Quando a nota é emitida aos pares, elas separam-se em média por 43,5 ms (SD = ± 11,1; N = 13). O intervalo de tempo entre a nota solitária ou aos pares não é constante, variando entre 0,40 e 1,22 s (média de 601, SD = ± 229; N = 13). Registramos uma vocalização de alerta atípica na qual a nota foi emitida cinco vezes apenas da forma solitária, e separada por intervalos muito maiores do que os registrados (x = 3,05 s; intervalo 0,94 - 7,53; SD = ± 2,56). Concorda com as demais na freqüência, forma e duração. Salientamos, contudo, que este canto prolongado poderia tratar-se também de vários curtos.

Comparações com as vocalizações de S. speluncae . O início do canto de S. speluncae caracteriza-se por “notas...mais fracas e com intervalos ligeiramente menores” ( Vielliard 1990), mas não dispomos de espectogramas para comparações.

Para o canto propriamente dito, além da diferença apontada na diagnose, em S. speluncae o harmônico normalmente é o componente dominante, concentrando a maior energia, enquanto o fundamental é pouco expressivo ( figura 16C View Figura 16 ) ( Vielliard 1990), situaç ão inversa da espécie nova.

S. speluncae ainda emite várias outras vocalizações ( Sick 1958, 1960, 1997, Vielliard 1990), às quais acrescentamos uma provavelmente não descrita, que transcrevemos como um “tche-tche-tche” ( figura 16D View Figura 16 ), mas nenhuma recorda o grito de alerta de S. iraiensis sp. nov. Uma voz mencionada por Sick (1960) como “iht- íht”, assemelha- se com a transliteraç ão do grito da espécie nova. No entanto, Vielliard (1990) apresentou um espectograma desta voz Sick (1960), permitindo observar as diferenças envolvidas entre ambas vocalizações (veja figura 16B View Figura 16 ). Mesmo assim, preferimos aguardar por um maior conhecimento do repertório vocal de S. speluncae antes de considerar o grito de S. iraiensis sp. nov. como diagnóstico.

RELAÇÕES SISTEMÁTICAS

Vários caracteres da morfologia de S. iraiensis sp. nov. foram descritos, mas a importância dos mesmos para a filogenia não pode ser avaliada neste momento, principalmente pela falta de dados comparativos. Relativamente bem conhecidos no gênero são o canto e a plumagem adulta, esta certamente sem implicações filogenéticas, conforme demonstra a taxonomia das espécies andinas.

O canto e a morfologia da siringe revelam que a nova espécie é próxima de S. speluncae e distante de S. indigoticus , caracterizando um grupo polifilético. A obtenção de respostas em experimentos com “playback” do canto de S. iraiensis sp. nov., tocado para S. speluncae (N = 2) e vice-versa (N = 3), ao nosso ver não deve ser considerado como um reforço para esta hipótese, uma vez que com o canto de S. speluncae também atraímos S. indigoticus (N = 1).

CONSERVAÇÃO

A conservação de paisagens abertas no Brasil é bastante problemática. Primeiro por que a legislaç ão ambiental do país é voltada para a proteção de florestas e, em segundo, porque a população de um modo geral também não reconhece a importância de ambientes que não as florestas. No Estado do Paraná a situaç ão se agrava pela ineficiência do órgão - ambiental responsável por fiscalizações e, mais recentemente, em conseqüência da atual política econômica e de marketing do estado. O Paraná é eminentemente agrícola, mas está tentando transformar-se num estado industrializado. Fruto do incentivo do governo, várias empresas estrangeiras, especialmente automobilísticas, já se instalaram nos arredores de Curitiba, algumas sobre áreas de campos em bom estado de conservação. A divulgação de oferta de emprego tem criado uma expectativa de trabalho que, aliada à idéia de ser Curitiba a “capital ecológica” do país, propaganda incansavelmente difundida pelo governo na mídia, tem provocado uma migração muito grande de pessoas para a região metropolitana de Curitiba, aumentando a pressão antrópica sobre o ambiente de S. iraiensis sp. nov.

Nos ú ltimos cinco anos inúmeras várzeas foram loteadas. Como estas áreas normalmente são inundadas nos períodos de chuva mais prolongada, as cheias tem desabrigado cada vez mais pessoas. Procurando uma soluç ão, o governo construiu, recentemente, um grande canal paralelo ao rio Iguaçu, que eliminou muitos campos úmidos. O tráfego de veículos tem-se tornado bastante intenso, levando as autoridades a projetarem novas estradas, das quais uma, já em construç ão, está aterrando vários trechos de várzeas (vide Bornschein et al. 1996).

O subsolo da maioria das várzeas contém areia ( Bigarella 1964), que há muitos anos é explorada indiscriminadamente para a construç ão civil ( figura 17 A View Figura 17 ). Com o passar do tempo as áreas mineradas se enchem de água tomando-se propícias a várias plantas e animais aquáticos, mas a vegetação original não retoma.

Diversas várzeas ainda existentes, desaparecerão nos próximos anos, cedendo lugar principalmente a loteamentos. Alguns destes locais hoje já estão sendo drenados, como preparação para a ocupação e o aterramento do terreno ( figura 17B View Figura 17 ). Enquanto a ocupação não chega, outra prática humana descaracteriza fortemente os campos úmidos: o fogo. Todos os anos, principal mente durante o inverno, dezenas de áreas são propositadamente queimadas. Mesmo sendo considerada legalmente como prática criminosa no Brasil, é um hábito da população local, justificado com a necessidade de limpar a área, eliminar as cobras, de renovar a vegetação para o pastoreio do gado etc. As áreas regularmente queimadas mudam significativamente sua cobertura vegetal. Espécies mais sensíveis desaparecem ( Maack 1981) e algumas mais vigorosas tomam-se pragas, como é o caso da samambaia Pteridium aquilinum ( Polypodiaceae ), e de uma Mimosaceae , entre outras. O fogo também é.um problema nos campos e brejos do litoral do Paraná ( Bomschein e Reinert 1997), onde tem impactado a localidade-tipo de uma outra espécie recentemente descrita para o estado: Stymphalornis acutirostris ( Bomschein et al. 1995) .

A perda de hábitat, a fragmentaç ão de áreas e os impactos sobre os locais remanescentes são tão intensos que certamente devem ter reduzido drasticamente a população de S. iraiensis sp. nov. Na região metropolitana de Curitiba investigamos seis áreas propícias, mas haviam sido queimadas recentemente, e não encontramos a espécie. Das três áreas com registro, é aparentemente rara em duas (rio Purgatório e Pequeno). Estes locais já sofreram queimadas e, no momento, estão sendo parcialmente aterrados. No rio Pequeno a vegetação também está sendo fortemente desrararterizada. As estradas que margeiam a várzea provocaram um represamento de água que, por sua vez, está causando o desaparecimento da vegetação original nos locais mais fundos e a sua substituiç ão por Typha dominguensis ( Typhaceae ). Talvez pela aç ão do fogo, uma Mimosaceae está invadindo grande parte do resto desta várzea.

Na localidade-tipo, a espécie é abundante. Utilizando-se “playback”, às vezes cinco indivíduos se aproximavam, enquanto outros ainda eram ouvidos nas redondezas. Desde 1991, quando visitamos o local pela primeira vez, ele nunca foi queimado. No entanto, o tamanho da área onde registramos S. iraiensis sp. nov. é bem reduzido. Na figura 13 View Figura 13 , a área está quase inteiramente incluída no campo de vis ão oferecido pela foto.

Não bastassem todos os problemas acima apontados, há ainda a quest ão do abastecimento de água para a região metropolitana de Curitiba, que está se tomando problemático principalmente no inverno, quando as chuvas escasseiam. Dentre outras alternativas, o governo projetou quatro barragens: do rio Irai, do rio Piraquara II, do rio Miringuava e do rio Pequeno. Todas estas obras provocar ão o alagamento de muitas várzeas, sendo que a da localidade-tipo de S. iraiensis sp. nov. desaparecerá em função da Barragem do Irai ( figura 6 View Figura 6 ). O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) deste projeto ( SANEPAR 1992), ú nico dos quatro efetuado até o momento, foi aprovado pelo órg ão ambiental do Paraná mesmo tendo descumprido a legislaç ão em vários aspectos. Além disso, a região de inundaç ão começou a ser minerada e desmaiada antes de serem cumpridos quaisquer estudos com fauna e flora previstos no EIA. Outro agravante é que centenas de mudas de árvores exóticas foram plantadas indevidamente no que será a margem do futuro reservatório, descaracterizando os min ú sculos fragmentos de campos que ir ão escapar do alagamento, inclusive na localidade-tipo.

Observando estas irregularidades, M. R. B. e B. L. R. procuraram meios para solicitar correções às falhas detectadas através da justiça. Após muitos meses de esforços, finalmente em janeiro de 1998 concretizou-se uma Ação Civil P ú blica solicitando as correções necessárias, que foi encaminhada a um órg ão competente. Infelizmente a justiça protelou a aç ão e as obras continuam. A descoberta de S. iraiensis sp. nov., que ocorreu durante este processo, justifica ainda mais a necessidade da aç ão ser deferida e com a máxima urgência.

Embora não tenhamos efetuado registros da espécie nova nas várzeas de outras bacias hidrográficas, cumpre dizer que estas também estão sofrendo descaracterização, em tudo semelhante as da região metropolitana de Curitiba. A título de exemplo, as várzea que investigamos no Parque Estadual de Vila Velha, além de ser frequentemente queimada, está sendo parcialmente submersa por um lago de uma barragem com propósitos recreativos.

A falta de conhecimento, por parte da população, da importância do ambiente que a rodeia, a pouca fiscalizaç ão e o gerenciamento inconsequente da região metropolitana de Curitiba, permitem vislumbrar um panorama crítico para

A proteção da nova espécie depende da tomada de medidas urgentes, como as que seguem. A justiça deve deferir a Ação Civil P ú blica que propõem as correções das falhas do EIA da Barragem do Irai (protocolada na Vara Civil de Piraquara sob o no. 04/98). Scytalopus iraiensis sp. nov. deve ser incluído na reanálise ambiental proposta na aç ão. As mudas de árvores plantadas nas áreas de campo e várzea no que será a futura margem da represa devem ser retiradas. O Instituto Ambiental do Paraná -1 AP precisa rever a liberaç ão da licença para construir a Barragem do Irai, conforme proposto por Ziller (1995). O IAP ainda deve interromper a liberaç ão para a instalaç ão de loteamentos e empreendimentos em várzeas no Paraná, rever as licenças concedidas e aumentar as fiscalizações neste ambiente. Unidades de Conservaç ão que contemplem as várzeas e a espécie nova necessitam ser criadas, manejadas e fiscalizadas. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, deve incluir 5. iraiensis sp. nov. na lista de fauna brasileira potencialmente ameaçada de extinç ão. Estudos aprofundados de campo devem ser desenvolvidos o mais rápido possível.

A conservação das várzeas não se faz necessária apenas para S. iraiensis sp. nov. O ambiente onde esta espécie vive abriga, por exemplo, aves oficialmente consideradas ameaçadas de extinç ão, conforme Bernardes et al. (1990) e a lista de aves ameaçadas de extinç ão no Paraná (Lei no. 11.067, de 17 de fevereiro de 1995), a saber: Culicivora caudacuta ( in SANEPAR 1992), Eleothreptus anomalus , Phacellodomus striaticollis e Tachuris rubrigastra . As várzeas da região metropolitana de Curitiba também contém muitas plantas ameaçadas de extinç ão ( Hatschbach e Ziller 1995), várias delas endêmicas, e já abrigaram outras hoje extintas (G. Hatschbach com. pess., 1998). Hatschbach comenta ainda que em tomo de 2.000 plantas extintas no Paraná das quais grande parte privativas de paisagens abertas.

Tabela 2. Medidas (mm) do sternum de três espécies de Scytalopus, expressas com média e intervalo.

Espécie S. iraiensis sp. nov. (N = 5) S. speluncae (N = 5*) S. indigoticus (N = 5) 16,3 (16,2-16,6) 14,4 (14,1-14,8) 15,7 (15,2-16,1) 9,8 (9,2-10,6) 11,6 (11,2-12,1) 11,4 (10,6-12,0) 2,8 (2,4-3,3) 4,0 (3,1-4,6) 1.3 (1,0-1,6)
S. iraiensis sp. nov. (N = 5) 16,3 (16,2-16,6) 9,8 (9,2-10,6) 2,8 (2,4-3,3)
S. speluncae (N = 5*) 14,4 (14,1-14,8) 11,6 (11,2-12,1) 4,0 (3,1-4,6)
S. indigoticus (N = 5) 15,7 (15,2-16,1) 11,4 (10,6-12,0) 1.3 (1,0-1,6)

• N = 4 para a largura.

Tabela 3. Medidas (mm) e massa corpórea (g) de Scytalopus spp.

Espécie Sexo   Bico*   Asa (chord)    
  N x (intervalo) N x (intervalo)   N
S. unicolor m 1 5,7 1 53,2   1
f 1 6,1 1 49,7   1
? 1   6,2 1 56,6   -
S. speluncae m 11   5,5 (5,0-6,5) 12 49,2 (46,6-53,9) 1 1
f 8 5,2 (4,6-5,5) 10 47,1 (42,3-50,7)   7
? 9 5,3 (4,6-5,9) 8 47,6 (44,9-50,3)   8
S. femoralis m? 1 1 6,9 6,8 1 64,9   1
  - -   -
S. novacapitalis m   - 1 50,1   1
f 1 5,8 1 51,7   1
? 1 t   5,6 1 53,6   1
S. indigoticus m 28   6,1 (5,1-7,1) 31 47,4 (43,8-51,2)  
f 22 5,8 (4,4-6,6) 24 46,9 (43,7-50,0)   1
? 6 6,1 (5,7-6,7) 9 47,7 (44,8-49,9)   7
S. psychopompus m f 1 1 7,9 7,2 2 1 51,3,52,2 51,6   1 1
S. magellanicus m 1 5,0 i r 54,6   1
S. superciliaris f 1 4,9 i 48,3    
- ? 1   5,6 i 48,3   -
S. iraiensis sp. nov. m 1 5,4 3 47,1 (44,5-49,2)   2
f 2 5,0, 5,4 2 43,3,45,4   2

Tabela 4. Conteúdo estomacal dos espécimes de Scytalopus iraiensis sp. nov.

Item alimentar* Estrutura Espécimes (no. de indivíduos ingeridos)**
1 2 3 4 5
Plantae fibras     X(?)    
Arthropoda fragmentos       X(?) X (?)
Insecta (geral) fragmentos X(?) X(?)      
Blattodea ootecas X(l) X(l)   X (6) X(1)
Hemiptera cabeça     X (1)    
Cicadomorpha ( Hemiptera )*** cabeça, pernas X(4) X(1)   X (1) X (1)
Reduviidae ( Hemiptera ) cabeça X(l)        
Coleoptera cabeça, élitros X (1)     X(l) X (1)
Curculionidae ( Coleoptera ) cabeça   X(1)      

* Menor nível taxonômico.

** Espécimes: 1- MN no. 43379; 2- MPEG no. 52944; 3- MN no. 43378; 4- MN no. 43380; 5- MPEG no. 52945.

*** Possivelmente Cercopidae .

Tabela 5. Freqüências dos componentes das notas do início do canto de quatro indivíduos de Scytalopus iraiensis sp. nov., expressas com média, desvio padrão e com o tamanho da amostra.*

Componente Amplitude de modulação Freqüência com maior energia
Freqüência mínima Freqüência máxima
Fundamental 0,839 ±0,11 (20) 1,262 ± 0,114 (20) 1,06 ±0,115 (20)
1 a harmônico 1,701 ± 0,29 (18) 2,358 ± 0,23 (18) 2,016 ± 0,146(14)
2 a harmônico 2,712 ± 0,311 (17) 3,439 ± 0,341 (17) 3,074 ± 0,208 (14)
3 aharmônico 3,722 ± 0089 (17) 4,507 ± 0,438 (17) 4,119 ± 0,243 (14)
4 a harmônico 4,625 ± 0,357 (14) 5,364 ± 0,329 (14) 5,065 ± 0,279 (14)

* Cantos naturais e após “playback” gravados na localidade- tipo entre 23/5 e 23/8/1997

Kingdom

Animalia

Phylum

Chordata

Class

Aves

Order

Passeriformes

Family

Rhinocryptidae

Genus

Scytalopus

Loc

Scytalopus iraiensis

Bornschein, Marcos Ricardo, Reinert, Bianca Luiza & Pichorim, Mauro 1998
1998
Loc

S. iraiensis

ff 1998
1998
Loc

S. iraiensis

ff 1998
1998
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